Wednesday, November 29, 2006

Qualquer coisa

Eu poderia sentar-me em qualquer lado, a contemplar qualquer coisa que por acaso desfilasse sob os meus olhos. Assim um aprendiz cómodo de Alberto Caeiro, um pagão cuja mente se alimentasse da luz e do pôr do sol, e da frescura de umas quaisquer flores que, por acaso, encontrasse na berma da estrada. Eu poderia sentar-me, e olhar sem quaisquer perguntas - bizarras, com analogias bizarras, em comportamentos bizarros - feitas à agua que corre, ao vento que me toca. Eu poderia. Mas não posso.
A bizarria consiste em interrogar, pois, a humidade que sobra dos meus poros, e as unhas que crescem disformes.
A atenção é muita a quaisquer aspectos formais que enformam qualquer coisa que acontece.
A atenção é bizarra, em especial, aos sintomas que pretendo ver em tudo. Uma pedra não existe por si. Um sorriso tem um sentido ocultado. Um rechaçar, sempre, com um arrazoado mais geral.
Falo em poros e unhas. São secundários. Quando vejo poros e unhas, e sorrisos, e flores, vejo qualquer outra coisa, qualquer outra coisa, a mais bizarra aos olhos de outrem - até que se torna bizarra aos meus olhos.
Não queria nada disto. Vai-se ver o que se pode fazer. Começarei por tornar menos tenso este sobrolho direito. Mas tem piada... não me obedece.

2 comments:

Anonymous said...

"Uma pedra não existe por si", dizes; mas dependerá a sua existência necessariamente do nosso pensamento?
Em todo o caso, começo a descobrir novas riquezas na prosa...

Grande abraço,

P

Anonymous said...

(na tua prosa, entenda-se)

P